segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Lei esquenta debate sobre limites de trabalho via e-mail ou celular





Lei permite que uso de celular e e-mail fora do expediente seja considerado hora extra Acordar no meio da noite para checar e responder e-mails no celular. Não desgrudar do Blackberry ou do iPhone nem na hora do chope com os amigos. Olhar a internet nos fins de semana e até durante as férias. No mundo da banda larga e dos smartphones, levar trabalho para casa é rotina que faz parte do dia a dia de muitos profissionais — não só por pressão da chefia como também por vontade própria.

Por conta disso, a lei 12.551/2011, que altera a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), vem causando polêmica: abre brechas para que o uso de celular, e-mail ou qualquer outro meio eletrônico fora do expediente seja considerado hora extra.

A mudança, caso seja confirmada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), em fevereiro, poderá deixar os empregadores mais vulneráveis a ações trabalhistas, exigindo reformulações das políticas que tratam do uso de meios eletrônicos pós-expediente:

— É uma alteração bem-vinda, que pode levar as empresas a se renovarem. Hoje, as áreas de recursos humanos têm o grande desafio de se adequar ao modelo das novas tecnologias e de agilidade. A CLT precisava se atualizar para atender a essa realidade contemporânea — defende Anna Cherubina Scofano, consultora de empresas e professora da FGV Management.

Porém, Anna chama atenção para o fato de que, no mundo digital, fica difícil mensurar até que ponto enviar um e-mail ou fazer uma ligação fora do expediente pode representar produção efetiva.

— Em muitos casos, a jornada de trabalho não é mais suficiente. É comum o empregado fazer uma pesquisa na internet em casa ou se dedicar a uma leitura que interessa a sua função. Como medir isso?.

A área de atuação também determina até que ponto o profissional precisa estar disponível. Trabalhando no setor de entretenimento, Helio Belleza é a favor da flexibilidade. Sócio-diretor da Barra on Ice Promoções e Eventos, ele simplesmente sabe que não pode desligar o smartphone e a internet aos fins de semanas e à noite:

— É preciso ter bom-senso, mas não se deve engessar a coisa. Cada segmento tem uma necessidade e horários diferentes. Os funcionários que eu contrato já sabem que trabalharão em um regime diferente.

Lei pode levar a bloqueio de e-mails corporativos

Dona de um iPhone, Bárbara Gurjão, diretora de Marketing da WeDo Technologies, é do tipo que fica sempre de olho no e-mail corporativo. Até quando sai de férias, reserva um tempinho para responder mensagens profissionais — sem que, garante, a empresa exija esse comportamento dela.

— A natureza do meu trabalho pede que eu fique conectada o tempo todo. E, na verdade, eu gosto disso, porque consigo adiantar algumas tarefas e não deixo as coisas se acumularem — opina Bárbara.

— Hoje, com tantos serviços virtuais, é quase impossível exigir que um funcionário só leia e responda e-mails durante a jornada de trabalho — salienta Cadu Alves, dono do BeesOffice, espaço de co-working.

Na Alemanha, a discussão já ocorre. Em dezembro, a Volkswagen decidiu bloquear o acesso a e-mails de 1.154 funcionários via Blackberry, após o expediente. Eles só podem receber mensagens — pelo aparelho que lhes foi cedido pela empresa — até meia hora antes ou depois do serviço. Fazer ou atender telefonemas estão liberados.

Um membro do conselho de trabalhadores da montadora disse a um jornal alemão que a medida foi tomada para evitar que os funcionários fiquem acessíveis o tempo todo, sob risco de síndromes psicológicas.

— Dependendo de como a lei for consolidada, vai exigir atenção especial das empresas, que poderão vir a adotar algum sistema de bloqueio nos moldes da Volkswagen alemã — acredita José Antonio de Barros, diretor administrativo e chefe de RH da Assim Saúde.

Disponibilidade ilimitada não é saudável

Gerente de contas a receber em uma empresa de tecnologia, William Pimentel tem dois celulares, um fornecido pelo empregador e outro pessoal, nos quais está sempre de olho. Para ele, ficar conectado traz vantagens, porque assim consegue negociar maior flexibilidade com sua chefia.

— Se fiquei à noite resolvendo coisas de casa, no dia seguinte posso chegar um pouco mais tarde. Tendo essa contrapartida, prefiro estar sempre disponível — afirma Pimentel.

O gerente concorda que, na era das novas tecnologias, estabelecer um limite entre vida profissional e pessoal fica mais difícil, o que faz com que ele responda e-mails ou faça ligações até nos intervalos de seu MBA, aos sábados.

— Mas tento estabelecer limites. Na hora de dormir, desligo os dois telefones e, por mais que aconteça alguma coisa durante a noite, só vou tratar disso ao acordar. É preciso ter um pouco de bom-senso.

Acordos como o estabelecido entre Pimentel e seus superiores podem ser solução para o impasse das horas extras.

— Se o funcionário trabalha de casa ou via e-mail e celular, precisa ser remunerado por isso. É preciso pensar mais na qualidade que na quantidade de horas de trabalho — defende a professora da FGV Management, Anna Cherubina Scofano.

É o que acontece em alguns setores do mercado financeiro, nos quais profissionais devem ficar antenados quase 24 horas por dia, porque lidam com vários países com fusos horários diferentes. Muitas vezes, são mais de 12 horas de expediente, mas que podem ser remuneradas com gordas bonificações dependendo das transações.

— Você trabalha quantas horas precisar e espera ser recompensado no bônus, essa é a conta. E ficar de olho no Blackberry faz parte dela — conta uma profissional da área, que prefere não se identificar.

Geralmente, executivos e trabalhadores em cargos de confiança também assumem a responsabilidade por ficar mais facilmente acessíveis.

— Com a nova lei, uma empresa pode, por exemplo, implementar uma política interna que proíba o trabalho fora do expediente normal, determinando que qualquer assunto fora desse horário será exclusivamente respondido pelo líder — opina Leonardo Ricupito de Albuquerque, advogado especialista em direito do trabalho e diretor jurídico da ProPay, empresa especializada em recursos humanos e gestão.

Albuquerque acredita que a mudança na CLT pode deixar os empregadores mais vulneráveis a processos trabalhistas e que, por isso, eles deverão procurar medidas para se proteger dos riscos:

— Mas nada deve ser levado ao extremo. Não se deve coibir o profissional que tiver uma ideia sensacional de madrugada e enviar e-mail a seu chefe.

O equilíbrio, por parte dos chefes e dos funcionários, parece ser, então, a palavra-chave.

— Algumas pessoas são exageradas no uso de tecnologias, independentemente das exigências do emprego. Mesmo quem é usuário frequente, deve tentar se desligar, porque senão acaba se escravizando — conclui José Antonio de Barros, chefe de RH da Assim Saúde.
Fonte: Globo

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