As ações de execução que chegam ao Tribunal Superior do Trabalho
apresentam as muitas facetas da penhora – a apreensão de bens do
devedor, por mandado judicial, para pagamento de dívidas decorrentes de
condenações judiciais. Os recursos no TST envolvem bens de família, bens
recebidos por doação com cláusula de impenhorabilidade, imóveis
adquiridos de boa-fé por terceiros, valor existente em conta salário e
proventos de aposentadoria, entre outros. Enfim, existem inúmeras
variações sobre um mesmo tema, o que demonstra sua complexidade.
A
questão é tão recorrente nos processos que chegam ao TST que, numa
mesma sessão, a Primeira Turma julgou vários recursos em ações de
execução tratando de penhora. Desses foram destacados quatro casos que
demonstram a diversidade do assunto e mais um da Subseção 2
Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2).
Bem de família
Um proprietário que não fazia inicialmente parte da reclamação
trabalhista, mas teve seu imóvel penhorado na fase de execução da ação,
interpôs embargos de terceiro. O recurso visa à liberação de bens
indevidamente apreendidos, em procedimento judicial, pertencentes ou na
posse de terceiros – pessoas físicas ou jurídicas que não fazem parte da
ação trabalhista principal, ou seja, não são nem empregador nem
empregado no caso em discussão.
Com o fim de modificar a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
Região (SP), esse terceiro recorreu ao TST alegando a impossibilidade de
penhora de bem de família – imóvel utilizado como residência por casal
ou unidade familiar. O Regional havia restabelecido sentença que
determinou a penhora de imóvel de sua propriedade, com a fundamentação
de que o proprietário não provou que o imóvel penhorado era o único
destinado a residência da família.
Ao examinar o caso, o relator do recurso de revista, juiz convocado
Hugo Carlos Scheuermann, considerou aplicável ao processo do trabalho a
impenhorabilidade instituída pela Lei 8.009/90.
Segundo o relator, para ser caracterizado como bem de família, o
fundamental é que "o imóvel seja residencial, isto é, que seja utilizado
para moradia permanente pelo casal ou entidade familiar", nos termos do
artigo 5º dessa lei.
Em seu voto,
o desembargador Scheuermann afirmou que não se pode exigir da parte
prova negativa de que não possui outros bens utilizados como residência.
Além disso, ressaltou que o caso não se enquadrava em nenhuma das
hipóteses excludentes previstas no artigo 3º da lei da impenhorabilidade
do bem de família (dívidas trabalhistas ou previdenciárias para com
empregados da própria residência, pensão alimentícia, obrigação
decorrente de fiança em contrato de locação ou para pagamento de
impostos predial e territorial, entre outros). Em decisão unânime, a
Primeira Turma deu provimento ao recurso para, restabelecendo a
sentença, determinar a liberação do imóvel da penhora. (Processo: RR - 126240-75.1996.5.02.0072 )
Doação e impenhorabilidade
Em uma execução iniciada em 2003, o proprietário, que viu seu imóvel
ser objeto de penhora, alegou que o bem era resultado de doação com
cláusula de impenhorabilidade e incomunicabilidade absoluta e vitalícia.
Seu agravo de petição - recurso ao TRT quando a ação já está em fase de
execução de sentença - teve provimento negado pelo Tribunal Regional do
Trabalho da 1ª Região (RJ).
De
acordo com o Regional, o donatário, que detém em seu patrimônio bem
doado com cláusulas de impenhorabilidade, inalienabilidade e
incomunicabilidade, não pode, sendo devedor, valer-se dessa "blindagem"
para evitar o pagamento da dívida. Principalmente, conforme ressaltou o
TRT, porque a dívida trabalhista tem caráter alimentar.
Por meio de agravo de instrumento ao TST, o proprietário sustentou que a
decisão regional contrariou os incisos II, XXII e XXXVI do artigo 5º da
Constituição da República.
Relator do agravo, o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho
explicou que a impenhorabilidade do bem doado e a própria legalidade da
pressão judicial são aspectos regidos pela legislação
infraconstitucional.
Por essa
razão, ele entendeu que, para se chegar à conclusão de que houve afronta
aos dispositivos da Constituição, conforme pretendia o proprietário do
imóvel, seria imprescindível o reexame da legislação
infraconstitucional, o que é vedado na instância do TST, como estabelece
o artigo 896, parágrafo 2º, da CLT e a Súmula 266 do TST. Com isso, a Primeira Turma negou provimento ao agravo de instrumento. (Processo: AIRR - 224000-27.1997.5.01.0004)
Adquirente de boa-fé
Em mais um caso de embargos de terceiro, a proprietária de imóvel em um
condomínio em Santos (SP) teve seu bem listado para ser levado a
leilão, que acabou suspenso por causa dos embargos. Ela alegou ser
indevida a penhora porque sua situação era a de terceiro de boa-fé: de
acordo com os autos, a reclamação trabalhista contra o antigo
proprietário foi ajuizada em setembro de 2006, enquanto ela adquiriu o
imóvel em 1995 e lavrou a escritura pública correspondente à celebração
do negócio jurídico em 2004.
Antes
de o caso chegar ao TST, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região
(SP) havia negado provimento ao agravo de petição, mantendo a sentença
que julgara improcedentes os embargos. O Regional entendeu que a penhora
deveria ser mantida porque não tinha sido feito o registro de alienação
no cartório de imóveis, "requisito imprescindível para aperfeiçoamento
do negócio jurídico". Após essa decisão, a proprietária recorreu ao TST.
Relator do recurso de revista, o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello
Filho esclareceu que a lavratura da escritura pública de alienação do
imóvel antes da reclamação trabalhista descaracteriza a má-fé da
compradora e impõe julgar procedentes os embargos de terceiro,
impossibilitando a apreensão judicial do bem.
O ministro, citando a Súmula 84
do Superior Tribunal de Justiça e diversos precedentes do TST, concluiu
que, uma vez constatado que o imóvel penhorado foi alienado antes do
ajuizamento da reclamação trabalhista, a penhora sobre não deveria
persistir, mesmo que a escritura de compra e venda não tenha sido
registrada em cartório, em respeito ao direito de propriedade, pois o
comprador agiu de boa-fé. Com essa fundamentação, a Primeira Turma deu
provimento ao recurso de revista para desfazer a penhora. (Processo: RR - 137800-96.2009.5.02.0447)
Salário e aposentadoria
Saldos existentes em conta bancária provenientes de salário ou
aposentadoria são impenhoráveis por ter caráter alimentício, ou seja,
são imprescindíveis ao sustento de quem sofreu a penhora. A
impenhorabilidade dos salários está determinada no artigo 649, inciso
IV, do CPC. Sobre o assunto, dois processos foram julgados recentemente no TST.
Um trata da penhora de saldo de conta salário e foi examinado, na
Primeira Turma, pelo ministro Walmir Oliveira da Costa, em recurso de
revista em execução de sentença. O outro, referente a proventos de
aposentadoria, foi analisado pela SDI-2 em mandado de segurança no qual
os executados alegavam que o bloqueio dos valores ofendia direito
líquido e certo e poderia acarretar dano irreparável ou de difícil
reparação.
No processo da Primeira
Turma, os sócios de uma empresa devedora sustentaram, por meio do
recurso de revista, a ilegalidade da penhora de sua conta salário,
pedindo o desbloqueio dos valores, alegando, além da ofensa ao artigo
649 do CPC, a violação aos artigos 5º, inciso XXII, e 7º, inciso X, da Constituição.
No caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (PI) havia
negado provimento ao agravo de petição interposto pelos sócios.
O Regional considerou que eles haviam utilizado artifícios para que a
empresa da qual eram donos não pagasse aos credores. Assim, entendeu que
a penhora deveria recair sobre o patrimônio dos sócios. Ao manter o
bloqueio da conta salário, o TRT esclareceu que o artigo 649 do CPC
protege o salário contra penhora devido a sua natureza alimentícia –
mas, no caso, tratava-se de dívida de verbas trabalhistas, igualmente de
natureza alimentícia.
No TST, o
ministro Walmir reconheceu que a decisão do Regional violou o princípio
constitucional da proteção dos salários. O relator explicou que o
princípio da proteção do salário que, antes de 1988, estava presente
apenas na CLT e no CPC, passou a constar explicitamente da Constituição
no artigo 7º, incisos IV, VI e X. Por conta dessa proteção é que, além
de irredutíveis, os salários são impenhoráveis, irrenunciáveis e
constituem créditos privilegiados na falência e na recuperação judicial
da empresa, além de constituir crime sua retenção dolosa, por se tratar
de apropriação indébita. O relator acrescentou que o reconhecimento da
invalidade da penhora da conta de salário já está pacificado no TST pela
Orientação Jurisprudencial 153 da SDI-2.
Com essa fundamentação, a Primeira Turma decidiu, quanto ao mérito do
recurso, dar-lhe provimento para decretar a nulidade da ordem judicial e
determinar o levantamento da penhora das contas de salário dos sócios e
determinar a devolução imediata dos valores apreendidos a seus
titulares. (Processo: RR-272-11.2010.5.22.0000)
O tema da penhora de depósitos em conta provenientes de salários e
aposentadorias é recorrente também nas sessões de julgamento da SDI-2.
Num caso examinado recentemente, o mandado de segurança foi impetrado
contra ato do juiz da 1ª Vara do Trabalho de Santos (SP), que determinou
a penhora de 30% dos proventos de aposentadoria do empregador,
recebidas do INSS.
Na avaliação do
relator do recurso ordinário, ministro Pedro Paulo Manus, a impetração
excepcional do mandado de segurança se justificava por já haver
precedentes em casos análogos na SDI-2, pela possibilidade de prejuízo
ao empregador e por não haver recurso eficaz para coibir, de imediato,
os efeitos da penhora. O relator, citando o artigo 649 do CPC
e precedente da própria SDI-2, concluiu que há expressa previsão legal
para a não expropriação dos valores de aposentadoria. O ato do juiz da
Vara de Santos, ao fazer incidir a penhora sobre a aposentadoria,
infringiu a norma processual civil. Ao dar provimento ao recurso, a
SDI-2 cassou a ordem e determinou a liberação da quantia já penhorada.
(Processo: ED-RO-1117300-38.2010.5.02.0000)
Fonte: TST
Leonardo de Souza Dutra
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