A educação no Brasil é um direito definido pela Constituição, mas nem
sempre é ao Estado que o cidadão recorre para tê-lo assegurado. Quando a
opção é pelo ensino particular, a natureza jurídica da relação entre
instituição e aluno passa ser de prestação de serviço. O Superior
Tribunal de Justiça (STJ) tem precedentes e jurisprudência consolidada
sobre diversos temas relacionados à cobrança de mensalidades, reajustes e
obrigações das escolas com os alunos.
O universo do ensino privado no Brasil cresceu nos últimos cinco
anos. É o que revelam dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O Censo Escolar 2010 mostrou que o
Brasil tinha, à época, 7,5 milhões de estudantes matriculados na
educação básica privada – creche, pré-escola, ensino fundamental e
médio, educação profissional, especial e de jovens e adultos. No total
de estudantes, as escolas particulares ficaram com uma fatia de 14,6%.
Em 2007, eram 6,3 milhões de alunos matriculados na rede privada.
Com a demanda crescente, a quantidade de escolas e faculdades
particulares também se multiplicou. A Fundação Getúlio Vargas (FGV), em
um estudo realizado para a Federação Nacional das Escolas Particulares
(FENEP), em 2005, contabilizava 36.800 estabelecimentos de ensino
privado no país.
Penalidade pedagógica
Legislação e jurisprudência são claras ao garantir que a existência
de débitos junto à instituição de ensino não deve interferir na
prestação dos serviços educacionais. O artigo 6º da Lei 9.870/99 diz que
“são proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de
documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades
pedagógicas por motivo de inadimplemento”.
Os débitos devem ser exigidos em ação própria, sendo vedada à
entidade educacional interferir na atividade acadêmica dos seus
estudantes para obter o adimplemento de mensalidades escolares. Ainda
assim, a prática é comum e o debate chega ao STJ em recursos das partes.
Em 2008, a Primeira Turma considerou nula cláusula contratual que
condicionava o trancamento de matrícula ao pagamento do correspondente
período semestral em que requerido o trancamento, bem como à quitação
das parcelas em atraso. O relator, ministro Benedito Gonçalves, entendeu
que a prática constitui penalidade pedagógica vedada pela legislação.
“Ao trancar a matrícula, o aluno fica fora da faculdade, não
frequenta aulas e não participa de nenhuma atividade relacionada com o
curso, de modo que não pode ficar refém da instituição e ver-se
compelido a pagar por serviços que não viria receber, para poder se
afastar temporariamente da universidade”, afirmou o ministro.
O ministro não nega que o estabelecimento educacional tenha o direito
de receber os valores que lhe são devidos, mas reitera que não pode ele
lançar mãos de meios proibidos por lei para tanto, devendo se valer dos
procedimentos legais de cobranças judiciais (REsp 1.081.936).
Retenção de certificado
A inadimplência também não é justificativa para que a instituição de
ensino se recuse a entregar o certificado de conclusão de curso ao
aluno. O entendimento foi da Segunda Turma, que enfrentou a questão em
2008, no julgamento de um recurso de um centro universitário de Vila
Velha (ES).
O relator foi o ministro Mauro Campbell. A instituição alegava que a
solenidade de colação de grau não seria abrangida pela proteção legal,
sendo que sua proibição não seria penalidade pedagógica. Mas para o
ministro, a vedação legal de retenção de documentos escolares abrange o
ato de colação de grau e o direito de obter o respectivo certificado
(REsp 913.917).
Multa administrativa
Os alunos de escolas particulares são consumidores na medida em que
utilizam um serviço final. Já as escolas e faculdades particulares podem
ser consideradas fornecedoras, pois são pessoas jurídicas que oferecem o
ensino. Assim, sujeitam-se também ao Código de Defesa do Consumidor
(CDC) e aos órgãos de proteção.
Em 2010, a Primeira Turma decidiu restabelecer uma multa aplicada
pelo Procon de São Paulo contra a mantenedora de uma escola que reteve
documentos para transferência de dois alunos, por falta de pagamento de
mensalidades. O relator foi o ministro Luiz Fux, que hoje atua no
Supremo Tribunal Federal (STF).
No caso, o Procon/SP instaurou processo administrativo contra a
escola, que resultou na aplicação de uma multa de R$ 5 mil, seguindo o
artigo 56 do CDC. A escola ajuizou ação para que fosse desobrigada do
pagamento da multa, tendo em vista que, em audiência judicial de
conciliação, ela entregou a documentação e os devedores comprometeram-se
a pagar os débitos.
No julgamento do recurso do Procon/SP, o ministro Fux destacou que
acordo entre o consumidor e o prestador de serviços, ainda que realizado
em juízo, não afasta a multa, aplicada por órgão de proteção e defesa
do consumidor, no exercício do poder de punição do Estado. Isso porque a
multa não visa à reparação de dano sofrido pelo consumidor, mas à
punição pela infração (REsp 1.164.146).
Atuação do MP
O STJ reconhece a legitimidade do Ministério Público para promover
ação civil pública onde se discute a defesa dos interesses coletivos de
pais e alunos de estabelecimento de ensino. São diversos os recursos que
chegaram ao Tribunal contestando a atuação do MP nos casos em que se
discute, por exemplo, reajuste de mensalidades. A jurisprudência do STJ é
pacífica nesse sentido (REsp 120.143).
Impontualidade vs. inadimplência
O aluno, ao matricular-se em instituição de ensino privado, firma
contrato em que se obriga ao pagamento das mensalidades como
contraprestação ao serviço recebido. Mas o atraso no pagamento não
autoriza a aplicação de sanções que resultem em descumprimento do
contrato por parte da entidade de ensino (artigo 5º da Lei 9.870/99).
Esse é o entendimento do STJ. A universidade não pode impor
penalidades administrativas ao aluno inadimplente, o qual tem o direito
de assistir a aulas, realizar provas e obter documentos.
A Segunda Turma reafirmou esta tese na análise de um recurso
interposto por uma universidade de São Paulo. Naquele caso, a relatora,
ministra Eliana Calmon, destacou, porém, que o STJ considera que a falta
de pagamento até 90 dias é, para efeito da lei, impontualidade. Só é
inadimplente o aluno que exceder esse prazo. Assim, a entidade está
autorizada a não renovar a matrícula se o atraso é superior a 90 dias,
mesmo que seja de uma mensalidade apenas. “O aluno que deve uma, duas,
três ou quatro prestações, para evitar a pecha de inadimplente, deve
quitá-las no prazo de 90 dias”, alertou a ministra no julgamento (REsp
725.955).
Pai devedor
Noutro caso, a Segunda Turma manteve decisão que garantiu a uma aluna
a rematrícula no curso de Direito. A faculdade havia negado a renovação
porque o pai da estudante, aluno do curso de Ciências Contábeis na
mesma instituição de ensino, estava com mensalidades em atraso. No STJ, o
recurso do centro universitário alegava que como os pais são, via de
regra, os representantes capazes dos alunos, o impedimento previsto em
lei deveria ser aplicado ao caso.
O relator, ministro Mauro Campbell Marques, considerou que a
inadimplência não se referia à aluna, mas a terceiro, e por isso deveria
ser afastada a exceção que possibilita o impedimento à renovação de
matrícula prevista na Lei 9.870/99 (REsp 1.096.242).
O STJ também já definiu que é da Justiça Federal a competência para
julgar mandado de segurança impetrado contra ato de dirigente de
instituição particular de ensino que nega a renovação de matrícula de
aluno inadimplente (REsp 883.497). (grifo nosso)
Carga horária
Em um julgamento ocorrido em 2011, a Quarta Turma decidiu que, mesmo
após a colação de grau, os alunos ainda podem exigir indenização por
carga horária do curso não ministrada pela instituição de ensino. A ação
foi movida por ex-alunos da Fundação Universidade do Vale do Itajaí
(Univali), de Santa Catarina, para obter ressarcimento por horas-aula
não ministradas. O relator do recurso é o ministro Luis Felipe Salomão.
Os alunos teriam pago o equivalente a 20 créditos em aulas do 5º
período do curso de direito, mas foram ministradas aulas equivalentes a
16 créditos. Em primeira instância, eles tiveram sucesso, mas o Tribunal
de Justiça de Santa Catariana (TJSC) considerou que, com a colação de
grau, os estudantes teriam aberto mão de seus direitos.
O ministro Salomão destacou em seu voto que no processo fica claro
que não foram prestadas as 3.390 horas-aula previstas para o curso e
pagas pelos alunos. “O quê se verifica no caso é que a recorrida
[Univali] se comprometeu em prestar um serviço, recebeu por ele, e não
cumpriu com o avençado”, apontou. O relator observou que houve
resistência dos alunos e que, em nenhum momento, abriram mão de seus
direitos. Não houve remissão ou perdão da dívida, já que não se
demonstrou o ânimo de se abandonar o débito – a jurisprudência do
Tribunal é nesse sentido (REsp 895.480).
Cobrança integral
Em 2002, o STJ analisou um recurso em que um aluno de Minas Gerais
contestava a cobrança da semestralidade integral quando estava
matriculado em apenas uma disciplina do curso de engenharia. O caso foi
julgado na Quarta Turma.
Os ministros entenderam que deveria ser respeitada a equivalência
entre a prestação cobrada do aluno e a contraprestação oferecida pela
escola. “Se falta apenas uma disciplina a ser cursada, não pode ser
exigido o pagamento de semestralidade integral, embora não se exija,
nesse caso, a exata proporcionalidade”, afirmou em seu voto o relator,
ministro Ruy Rosado, já aposentado.
A Turma ressaltou que não se impunha a proporcionalidade entre o
número de cadeiras e o valor da prestação. Para os ministros, no caso de
inscrição em apenas uma disciplina deve-se considerar o fato de que a
escola deve manter o integral funcionamento das suas dependências, o que
justifica a cobrança de um valor maior, além do que corresponderia à
exata proporcionalidade de uma matéria (REsp 334.837).
Processos: REsp 1081936; REsp 913917; REsp 1164146; REsp 120143; REsp
725955; REsp 1096242; REsp 883497; REsp 895480; REsp 334837
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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