Cabe
legalmente à Fundação Nacional do Índio (Funai) a representação de
indígena acusado por crime de entorpecente, independentemente de sua
eventual integração à sociedade. Com esse entendimento, a Quinta Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou processo penal contra réu
indígena, desde o recebimento da denúncia, inclusive a sentença e o
acórdão.
O colegiado determinou, ainda, o
encaminhamento dos autos da ação penal à Justiça Federal do Amazonas
para apreciar a denúncia e, se for o caso, daí por diante conduzir a
demanda penal como lhe parecer de direito. Por fim, a Turma resolveu
colocar o indígena em liberdade, sem prejuízo das eventuais medidas a
serem determinadas pela Justiça Federal. A decisão foi unânime.
O
indígena, pertencente à etnia kokama da Aldeia São José em Santo
Antônio do Içá (AM), fronteira com a Colômbia, foi denunciado pela
suposta prática do crime de entorpecente, por ter sido encontrado na
posse de cocaína na cidade de Manaus (AM), preso em flagrante em
setembro de 2007.
Foi realizado exame antropológico
dando como verdadeira a condição indígena do réu, bem como foram
juntados documentos com as informações sobre identidade e os registros
correspondentes na Funai.
Assistência
A
Procuradoria da Funai, por conta disso e atendendo solicitação da mãe
do preso, requereu intervenção na ação em assistência ao indígena, mas o
juízo de primeiro grau indeferiu-a ao argumento de que o réu já se
encontrava integrado à sociedade.
O habeas corpus
impetrado pela Funai perante o Tribunal de Justiça local – com o qual a
fundação buscava a liberdade do indígena e insistia na intervenção em
favor dele – ainda não tinha sido analisado pela Segunda Câmara
Criminal.
Assim, a Funai ajuizou mandado de segurança
perante a Primeira Câmara Criminal do TJ, que o negou, por entender que o
indígena está integrado à sociedade, possuindo título de eleitor, CPF,
certificado de dispensa militar e outros documentos, faltando assim
legitimidade à fundação para representá-lo ou assisti-lo judicialmente.
A ação penal, por sua vez, independentemente dos requerimentos da Funai, seguiu seu curso, culminando com a condenação do réu.
Condição de indígena
No
recurso perante o STJ, a Funai sustenta que cabe legalmente a ela a
representação do indígena, independentemente da possível integração à
sociedade, requisito esse que não tem mais relevância depois da
Constituição de 1988.
Em seu voto, o relator, ministro
Gilson Dipp, destacou que não há nenhuma discussão nos autos quanto à
condição étnica do réu. O que se recusa na sentença, conforme o relator,
é a necessidade de assistência ante a constatação, pelo juiz criminal,
da suficiente integração do indígena ao meio social dito civilizado,
afastando assim a suposta incapacidade decorrente de sua condição de
indígena.
“Hoje, a designação de índios integrados, ou
em vias de integração ou isolados constitui, quando muito, metodologia
interna da Funai para definição de suas políticas públicas. Por
consequência, tecnicamente, não se fala mais em índio dessa ou daquela
condição de integração, mas simplesmente índio ou não índio”, afirmou o
ministro.
Segundo Dipp, o juiz de direito da 2ª Vara,
adotando para si critério da lei civil que imaginava correto, por isso
se equivocou, e levou o colegiado ao mesmo erro, de ter o indígena réu
como “integrado” pela posse de documentos comuns aos não índios,
excluindo-o sem discussão da condição de indígena e da sujeição à
legislação especial, quando essa não é hoje a inteligência
constitucional.
“No entanto, se o réu afirmou-se
indígena corria-lhe, em princípio, a presunção favorável dessa condição,
de tal sorte que cabia ao magistrado apreciar o tema, ainda mais tendo a
instituição indigenista postulado a intervenção como assistente em
socorro do réu, que, bem ou mal, afirmava a legitimidade dessa
intervenção”, concluiu o ministro.
Fonte: STJ
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