Cresce a pressão do governo contra os poupadores para salvar os bancos
de uma fatura que pode chegar a R$ 150 bilhões. O Palácio do Planalto e o
sistema financeiro pretendem reunir aliados improváveis antes do início
do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), na próxima
quarta-feira, que definirá se os planos Bresser, Verão e Collor I e II,
lesaram depositantes. Uma carta assinada por ex-ministros da Fazenda e
ex-presidentes do Banco Central — parte deles de linha política
completamente oposta — deve ser entregue ao STF esta semana. O documento
tentará expor supostos riscos à economia brasileira, caso a conta seja
paga. Os advogados dos clientes, no entanto, acusam os banqueiros de
fazer terrorismo com a Corte Suprema para tentar influenciar a decisão.
Os poupadores argumentam ainda que os bancos, por terem dado aos
clientes uma rentabilidade menor que a inflação na época dos planos,
lucraram alto. Um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR)
reforça essa tese e diz que, entre a implementação do plano Bresser e
setembro de 2008, as instituições faturaram R$ 441,7 bilhões. “Esse
lucro se deu em detrimento dos poupadores. Os tribunais reconhecem isso
há mais de duas décadas”, diz Luiz Fernando Pereira, um dos advogados
dos depositantes. Os juristas e técnicos do governo negam esse ganho.
Segundo eles, os planos econômicos derrubaram o rendimento dos bancos.
Disputa
O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), que defende os
depositantes, garante que os bancos e o governo estão exagerando valores
e a possibilidade de danos ao sistema financeiro e à economia. Nos
cálculos da entidade, a fatura é de R$ 18,2 bilhões, dinheiro que já
estaria provisionado. Isaac Sidney Ferreira, procurador-geral do Banco
Central, diz que essa estimativa é irreal e que, em 2008, quando o
Ministério da Fazenda fez um cálculo de R$ 105 bilhões, o Idec
reconhecia um impacto apenas um pouco menor, de R$ 102 bilhões.
“Além disso, os provisionamentos atuais dos bancos refletem apenas
ações individuais com resultados que lhes foram desfavoráveis, não
incluindo aquelas referentes aos planos Collor I e II, que representam
50% do impacto estimado. E o que o STF julgará agora afetará a
totalidade dos processos sobre planos econômicos”, defende Ferreira.
Segundo ele, as instituições financeiras não teriam feito reservas para
fazer frente a perdas com os planos da era Collor porque tinham ganho a
maior parte dos processos nas instâncias inferiores. Também não foi
preparada qualquer provisão para as ações coletivas — os bancos só tomam
esse cuidado quando esse tipo de ação já tem uma sentença e não há mais
possibilidade de recurso, e somente nessa etapa a instituição sabe a
quem terá que pagar.
Pereira, advogado dos poupadores, diz que o cálculo do governo e dos
bancos, de R$ 150 bilhões, está errado. Para ele, o número considera
todos os depositantes afetados e não apenas os que recorreram à Justiça.
“A Procuradoria-Geral juntou ao processo parecer técnico demonstrando
que, para chegar ao número de R$ 150 bilhões, os bancos consideraram que
absolutamente todos seriam ressarcidos”, explica. “A verdade é que
apenas uma pequena minoria apelou ao Poder Judiciário”, diz.
Tropa de choque
O governo montou uma tropa de choque para pressionar o STF. Na semana
passada, colocou o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, e
o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para fazer lobby perante os
membros do Supremo. Eles alegam que, se os bancos perderem a causa, o
custo da correção exigida pelos depositantes causará danos não apenas no
balanço das instituições. Os prejuízos, segundo o Executivo, podem se
espalhar pela economia. De acordo com o BC, haveria restrição de crédito
de aproximadamente R$ 1 trilhão e a Receita Federal deixaria de
recolher cerca de R$ 60 bilhões em impostos e contribuições. A redução
na oferta de empréstimos e financiamentos poderia derrubar ainda mais o
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que tem sido modesto nos
últimos anos.
Os economistas do governo também estão em alerta com a disputa
judicial. A Caixa Econômica é responsável pela maior parte da fatura,
cerca de R$ 50 bilhões. Se tiver de pagar a conta, o Tesouro Nacional
seria obrigado a cobrir o rombo com dinheiro público. O mesmo deve
ocorrer com o Banco do Brasil. “As instituições querem convencer o STF a
partir de um terrorismo econômico”, argumenta Pereira.
Incerteza
No STF, fontes garantem que não há uma posição predominante entre os
ministros. A complexidade e os detalhes do processo deixam dúvidas.
Nenhum julgamento anterior levou em conta as questões que serão
debatidas a partir de quarta-feira. O Banco Central, em nota técnica
elaborada em 2009, diz que os planos econômicos preservaram o poder de
compra dos depósitos. Os poupadores, porém, pensam o contrário. Nos
processos movidos contra as instituições financeiras, os depositantes
afirmam que foram lesados em 8,04% no plano Bresser; 20,37% no Verão; em
44,80% no Collor I; e em 4,39% no Collor II.
Um estudo elaborado por bancos e que foi anexado ao processo considera
que o valor a ser pago é ainda maior que os R$ 150 bilhões, seria algo
próximo de R$ 750 bilhões em função de juros remuneratórios e mora. Para
o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), os balanços patrimoniais
dos bancos, no período entre 2005 e junho de 2013, não falam em qualquer
risco sistêmico em função da fatura deixada pelos planos econômicos.
A entidade explica que, ao analisar os balanços das instituições, não
encontrou evidências de ameaça à liquidez em nenhuma das notas
explicativas, itens nos quais os bancos devem justificar as eventuais
provisões. O Idec afirma ainda que 99% das ações públicas foram extintas
em agosto de 2010, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduziu
de 20 anos para cinco o prazo de prescrição para ingressar com esses
processos.
Fonte: Correio Braziliense - 25/11/2013
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